quinta-feira, 9 de junho de 2022

verdes faróis

são duas da manhã or so e não há como saber se é o barulho da chuva ou o silêncio da minha cabeça, repetindo em linha cenas de nós dois, que não me deixa dormir. 

toda prosa tem um Q de qualquer-coisa com um N de não-sei-o-que que me ajudam a desembaraçar os sentires que entorpecem. a madrugada é visceral. 

toda poesia tem um alfabeto de arrepios que sutilmente se colocam e fazem do bruto escultura na qual não posso resvalar, senão olhar. sentir.

você tem os dois; prosa poética e poesia prosaica, fumaça do meu cigarro e verdes faróis. temos sido tudo e nada, barroco em essência, romântico em desejo e realista em forma. 

o asfalto que distancia há de ser via que possibilita o toque, três ou mais carícias, quatro ou mais delícias, cinco ou vinte palavras desencontradas que significam nada sozinhas e descrevem o funcionamento de todas as coisas quando postas de mãos dadas.

a vida começará

Existe algo que nos escapa nas verdades. Não que alguém saiba o que é. Não que a modulação da verdade seja acessível ao consciente. 


Você há de tomar seu café às seis e poucos da manhã. Buscará algo para ler ou assistir, enquanto se prepara para o trabalho. Nada diferente de ontem ou dos dias anteriores. Antes, um banho – para acordar, você dirá. 


Do seu lado estará o comum.


- Você está sempre muito feio pela manhã.


As suas palavras serão tão sinceras quanto a busca dos pulmões pelo ar. Tão honestas quanto todas as anteriores. Você jamais conhecerá outra opção, senão a verdade. Ao sair, você dirá:


- Não me espere; não volto hoje. Vou encontrar alguém.


Nenhuma sensibilidade lhe ocorrerá. Tudo permanecerá como de costume. Você enfrentará o trânsito caótico das ruas e da consciência, chegará ao trabalho right on time, abrirá sua organizada e tediosa agenda e fará sua parte. Como de costume. Inexorável. Como de costume. Tudo será, absolutamente... igual.


Você tornará à sua casa no dia seguinte. Exausto – como de costume. Alguém abrirá a porta para que você entre. Não haverá sorriso ou palavra. 


- Faz café?


Você caminhará até a cozinha, não prestando atenção à nada – como de costume. 


E será aí, exatamente aí, durante mais dia comum, que um singular mover das louças, junto de um toque sensível no cabelo, dirá o mesmo algo de sempre, mas de maneira tal que você nunca havia escutado. A sua reação? Qual mais poderia ser, senão...


- Você está lindo.


       A vida começará.


quarta-feira, 25 de maio de 2022

enfim... fim

oi, meu bem

você sempre amou o mar, eu bem que sei

sempre amou ver ir e ver voltar, mas eu cansei

pois cada ida e volta só fez machucar, e eu me cansei

agora só a retroescavadeira presa no colar que não mais usarei

pode arrancar, na força, do meu coração, qualquer lugar
onde você foi rei

e deixou um império, em peças, hoje tão vulgar
e já sem lei

não nego afeto, nem o que incide a me rasgar, já me atentei 

inda mesmo neles, vez ou outra, reencontro o ar.
desta vez, só chorei.

sábado, 21 de maio de 2022

a festa

lapido versos asfixiantes
com a marreta do teu silêncio

tua ausência é abismo
jocoso, oblíquo, 
armado, oneroso

decorei toda a mesa
pra mastigar só as migalhas

mas ai!

haverá o dia em que a festa será em companhia

romper-se-á o fio que sustenta a solidão
celebraremos a chegada do solstício 

logo... 

da primavera

do ocaso

da loucura

do nada.

sábado, 26 de março de 2022

tormenta

meu amor se deitou na rede
e balançou

quando te viu passar na calçada
tropeçou

caiu de volta no meu peito
rarefeito

ofegante, após sussuros da tua negação
aquietou-se

qualquer que fosse tua resposta ao meu chamado silencioso
tormenta

pesadelo enquanto dormia
foi só um sonho na rede

burnout

Se eu errei,
não foi por falta 
de tentar

olha, eu te amei, menina
e você, qual desculpa
tem pra me dar?

sequilho em prosa

há na secura detalhe delicado, gesto sem jeito, modesto e imperfeito, moldado no forno de tempo passado que, entre os excessos, passa um o recado. embora tão mal vista por entre aqueles que gostam do toque molhado, do suor entre o sentido, quase abafado; há na secura detalhe delicado.

o doce tem caminho muito mais fácil, pois revela a que veio em cada mordida, estampa na língua impressão indubitável, direta e apressada. o doce não se sabe refrear.

há na secura, da qual sou testemunha ocular, paciência de se deixar mostrar, lentamente, perfeito acompanhamento. ainda que de mais difícil mastigar, mas simples de se digerir. sustenta. o doce pede mais. o seco, em si, oferece tudo que traz. sem pretender ser além do que é.

há na secura, por vezes, anseio de se mesclar ao doce e se moldar, em saliva, na boca. e tal loucura, em partícula indissociável, dura apenas até a próxima mordida, quando pede, outra vez, pelo pedaço que ficou ainda na mesa, espaço para ser seca. até que novamente se misture, mostrando, sem pretender mais do que isso, um querer real, próprio e, por natureza, singular a cada vez que se deixa mordiscar.

há na secura o pleno representar do amor.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

escorrer

se eu desenho
eu te consumo
toco com o lápis 
no papel
como com dedos
(n)o teu corpo

ou os astros no céu
orvalho da mais colorida manhã
escorrendo na simples árvore

como quem não quer nada
e encontra tudo

LSD

se lucy pode estar no firmamento
com seus diamantes,
por que não podemos estar na terra
com nossos acordes?

E eu lá sei?

Viver é fácil de olhos fechados
amar é deserto de coração aberto

lennon/miranda

mais alto

"o teu amor pe uma mentira que a minha vaidade quer"               e teu corpo em minha boca               é a verdade que meu des...