segunda-feira, 27 de abril de 2020

Espinho

27 de abril de 2020.
A segunda-feira mais acachapante de que se tem notícia. Escrevo a data porque dizem que poeta não tem memória, por isso escreve. Escrever é solitário, é exaustivo, é um peso! Todas as frustrações e os pensamento lúgubres eternizados pela ponta do grafite, sem inicio ou fim, apenas seguindo a vontade ditada pela tristeza.

Como é infeliz a urgência por escrever! Uma necessidade prolixa de sofrer a cada palavra. Cortante, dilacerante, como ouvir Marisa Monte ou Tim Maia de madrugada, com um copo de uísque e a mesma camiseta de três dias.


Escrever é uma reação indesejada, porém inevitável. É como um prego que, mesmo martelado, insiste em não perfurar a superfície para a qual é impelido, mas não sem deformar-se, sem sentir cada impacto.


Assim, escrever se torna necessário. Se não para o indivíduo, para o mundo. Se não houver quem escreva, não haverá quem sinta. Não haverá quem se deforme. E não existe vida que se sustente sem que se lhe mude a forma.

domingo, 26 de abril de 2020

Babel

Eu não sei o que Deus criou.
Mas eu sei que o ser humano faz merda quando quer brincar de Deus.

A paixão estava aí.
O sexo.
Uma coisa incapturável, livre, sem molde, sem métrica.
Escondida, mas que se desvelava quando queria, com total despudor. À revelia.
A paixão era a bossa nova, a melodia. A paixão era a rainha dos desesperados, era a musa dos trovadores. A paixão simplesmente era. Movia-se, de canto em canto, mudava de face e encontrava o mesmo alguém de tempos antes, totalmente repaginada. Não vivia por completo quem não a havia encontrado. Não voltava a viver quem não a via, ainda que de relance, descendo as ruas ou fumando um cigarro, uma vez mais.

O sexo era a mordida na maçã. Era o experimentar. Era cruzar a fronteira entre a miragem e o prazer pleno. Deus lançou aos homens a paixão e o sexo era o toque do divino e do profano. 

Até que o homem decidiu tornar-se Deus. Eis a Babel. Criou o amor. 
Insano, um devaneio, subversivo. Um perigo horrendo. Arbitrário, negligente, respondão. Irresponsável, egoísta. Um saco! Aprisionou a liberdade do maior presente dos céus. O fim do livre arbítrio. O pecado original. 
Não há nexo em por o amor entre a paixão e o sexo. 

O amor é a cicuta socrática. A flecha no calcanhar do herói. Transformar a paixão em amor é inserir a tragédia no épico. 
O amor é o anticlímax da catarse. A escrachada demonstração da incapacidade do homem de ser soberano e decidir por si. A bobagem que Deus permitiu existir para escancarar a lição de que homem só pode ser homem. 

O sexo é o céu, a paixão é o purgatório. O amor é o inferno, lar dos desvairados.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Me explica

Devo ir?
Onde ir?
Por que ir?

Deixo a porta aberta ao sair?
Volto a te ver, caso eu partir?
Ao chegar, o que vou conseguir?

É pior decidir ou preferir?

Destinos

Águas caudalosas 
O asfalto que pavimenta as vias
A nau enfrenta as ondas bravamente 
A janela aberta faz com que a voz do vento seja ouvida

A pequena embarcação dos que lutam a boa guerra dirige-se para o seu último cais.
Carregada de muitos secos copos e corpos, enquanto o automóvel se embrenha pela excitante estrada dos excessos, onde os buracos fazem o caminho mais divertido.

A esperança de aportar faz com que a profana mistura de suor e sangue das largas costas dos que remam valha a pena.
A potência do motor é suficiente para incitar as mais escandalosas e naturais risadas de seus passageiros.

Dentro do barco, arrependimento e amargor, visto que foi só o sol se pôr e a densa noite encontrou sua cama preparada.
No carro, arrependimento é palavra proibida. Cada detalhe, do animado e do inanimado, sugerem que a beleza é o potencializador do imortal.

O capitão do bote observa, inexorável, inflexível, a cobrança da dívida que todo homem deve pagar. Seu trabalho é, invariavelmente, feito. 
Já o carro não tem que o dirija. Porque o acaso é seu o melhor motorista. 

Carta #1

Eu errei. Não tem um dia que a certeza do quanto eu te amo não me seja arrebatadora.
Precisava desse tempo pra perceber o quanto a ideia de estar com outras pessoas me é estranha.
Eu tentei. Tentei te esquecer. To há dias querendo te mandar essa mensagem. A ideia de que nosso tempo acabou não me entra na cabeça!

Eu entendo se estiver tudo acabado. Eu sei que você pode pensar que causei uma dor desnecessária, mas era necessária! Eu precisava. Desculpa, eu sou assim. Mas eu entendo se estiver tudo acabado.

Penso em você o tempo todo. Sinto falta do teu beijo, do teu carinho, do teu sexo, do teu sonambulismo, da tua voz, da tua risada, do teu ciúme. Da nossa casa, do sofá desconfortável, de TWD, de te dizer que não vou morar na Palhoça de jeito nenhum. Dos nossos planos, das nossas viagens, da tua parceria! Do teu amor, que eu sei que mal cabe no teu peito.

Não acho que fui idiota, mas admito que errei. Não por terminar. Eu precisava! Mas errei por achar que conseguiria te superar. Eu nunca amei - nem o Flamengo - como eu te amo. És o amor da minha vida, eu sempre te disse isso!

Quero que você seja feliz, comigo ou sem mim. Essa é uma escolha que você pode até já ter feito. Mas eu precisava te dizer o quanto eu sinto tua falta.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

o texto mais difícil que já escrevi

dizem que toda luz parece que se acende por alguma razão. não acho que seja verdade. as vezes, acende porque tudo contribuiu pra que sim.
um sujeito qualquer observa as luzes da cidade, de um apartamento qualquer, de um prédio qualquer, em um bairro qualquer.
cada luz que se apaga e cada outra nova que se acende, em sua cabeça, contam uma história. mas a verdade mesmo é que não têm porra nenhuma; a gente é que envelhece
e se acentua a necessidade de confabular, dentro da própria cabeça, com nossos próprios demônios. é medo de admitir que o chão sobre o qual a gente pisa,
em que a gente confia tanto e tanto mais deposita sobre, é efêmero.

os textos mais difíceis de escrever não são os que contam estórias de fantasia; inimagináveis para um reles ser que não o dotado
de uma capacidade arrebatadora de criar - os devaneios mais insanos da nossa mente. não.
são os da verdade. a verdade nua e crua. a verdade que cada movimento - de rotação e translação - joga na nossa cara, enquanto as rugas ficam mais evidentes.
porque são esses que a gente não quer que exista; não é o maravilhoso que evitamos. é a rotina maltrapilha. é o que acontece mesmo. é o que dói na carne.

"mais uma luz se apaga no prédio em frente ao meu"
quem tem o poder do interruptor? quem tem que apagar a maldita luz? quem encerra sumária e arbitrariamente o brilho, que outrora fora perfeito, a ponto de cegar?
quem, caralhos, tem a prepotência de se julgar responsável?

de que adianta observar todas as luzes, se a que eu costumava apagar, antes de te desejar uma boa noite e de te acariciar, eu já não posso mais, com minhas próprias mãos, controlar?
essa luz se apagou. eu apaguei. pra nós dois. ia se queimar. melhor evitar o dano. mas quem, caralhos, me disse responsável?
alguém tinha que ser.
não se preocupem. os dois. outras serão acessas. pros dois.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

narrativas

três mundos que nunca se encontram
o que eu vejo, o que eu quero e o que me contam
as verdades se contorcem nas linhas do discurso
as malícias que renascem em resposta ao soluço
das paredes escorrem os tratos que afogam a liberdade
últimos suspiros que renovam o domínio
um cigarro, entre um crime e outro
um afago, entre repúdio e o disparo
entre os teus dedos escorrem a sensatez e o orgulho
no meu chão... os cacos do futuro que não veio!
quem pragueja sente a tortura velada
ou é só mais uma vírgula apagada?

mais alto

"o teu amor pe uma mentira que a minha vaidade quer"               e teu corpo em minha boca               é a verdade que meu des...