sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

correnteza

força da natureza
correnteza 
carrega em si dois corações em um
sentimento abençoado por Oxum

como raios e ventos em agitada manhã
envolve o espírito e o encobre 
armadura de ferro e cobre
sagrado escudo de Iansã

aio, aio, Oyá
cantar, sentir, dançar 
aio, aio Oyá

vem sem pressa, meu calor
vem sem medo, vem raiar
colorir o nosso amor

ao Jo

o ecrã

é no detalhe íntimo do buraco de minhocas
pelo objeto xamânico que supera o tempo e o espaço
que nossa alquimia acontece

o reembaralhar dos elementos e dos sentidos
dos momentos juntos vividos
dos suspiros de mais que amigos 
dos cigarros ainda não acendidos

só o que nos falta é... o que nos falta?
botemos em pauta
se tenho teus olhos e sei o que pensas 
se tens meus ouvidos e toda a essência 

seria a distância mesmo assim tão intransigente que intransponível?

embora minhas mãos não alcancem teus lábios...

(ah, e que lábios...)

mesmo assim, o que tens de mim é tão forte quanto o elixir que torna ébrio o mais sensato dos sábios 

o objeto banal
se transforma em canal
do desejo mais carnal
transcendental

por onde acesso a paixão
separo o ontem que não perdemos
do futuro que ainda não temos
e observo os infinitos

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

ODE AO AMOR DO LEÃO

teu amor é frágil
e teu frágil dói.

é como pássaro novo que cai do ninho e, sobre as folhas já murchas no solo, tenta firmar-se para alçar voo.

mas não sabe voar.

como criança extasiada ao por os pés na terra, correndo e jogando, dominada pela sensação de liberdade, buscando palavras pra pintar o mundo de novas cores que vê.

mas não sabe falar.

teu amor é como o palpitar inebriante de uma galáxia feita coração, mas que se obriga a conter-se, resumindo-se a apenas um sol. 

teu amor é feito uma pedra preciosa que já sentiu tanto ser burilada que não tem forças para perceber-se brilhante e deslumbrante.

é uma vela cuja chama está quase a apagar-se, a ponto de não julgar-se digna de emanar luz, ainda que, sem dar-se conta da própria força, resista meio ao vento e ao chuvisco. 

o teu amor, meu amado, é doce e acanhado. te sentes culpado por sentir, por não creres no que sentes. embora sintas. e gostes. e queiras. 

preferes não.

é que o medo da flecha no peito suprime o sentir. a não ser quando sentir avassalador.

morte ao homem que deixou-se sangrar outra vez!

quem dirá? tu mesmo!

até que emerja, da mesma terra que sente os pés da criança, as folhas murchas e as penas do pássaro, quem visceralmente rasgue a tua pele, de dentro pra fora, divida tua alma e teu corpo, separe o ontem do agora e te liberte para sorrir. mesmo que, a princípio, só de um lado do rosto.

teu amor poderia ter se perdido em alguma clareira ou mata fechada. mas haverá sempre, inegavelmente sempre, quem o possa resgatar.

quem dirá? outra vez, tu mesmo.

sábado, 5 de dezembro de 2020

encontro sindical

eu sei que há um lugar 
não sei bem onde está
eu sei que há alguém que espera e vê

talvez eu vá pra lá
talvez você também
talvez o que era sonho passe a ser real

na vida não há muito o que pensar
se chega uma paixão pra te abraçar
aquele manso e simples
intenso e singular

eu fiz essa canção pra dizer que eu quero muito te encontrar

ao Jo.

pêssego

quanto tempo "temos tempo" quer dizer?
quanto tempo precisamos pra saber?
na fazenda, no gramado, sob o sol...
todas as cores e flores sorrindo pra nós.

cedo ou tarde, nosso tempo vai nascer
no sossego, aprendendo a crescer
entre os discos, ney e chico - e coisas tais
plantas e santos, é tanto... eu quero bem mais.

faço tudo diferente
faça tudo sem pensar
soa pouco ou quase nada
mas nada é a soma de tudo que há!

carta dos intensos

mergulhei com tudo de mim
mais profundo do que o ar do meu peito pôde suportar.

enquanto descia, senti a pressão d'água aniquilar todos os meus medos. e sorri.

foi quando me dei conta de que o raso não faz parte da minha existência.

ao amigo Luiz Mário

(re)composição

letra sem som... poesia.
acorde colorido.
parceria de sangue... de outras eras.
tempos idos, mas não esquecidos.

na dor de agora nasce a canção
na melancolia de hoje, laço
composição.

do "eu" e do "tu"
minha e tua.

no ocaso do ontem, 
na espera do caudaloso porvir...

melodia.

ao amigo Luiz Mário.

paixão sindical

o sangue que corre em minhas veias era gélido
onde me alcançava o olhar a vista era desolação
não havia nada além do mais escuro céu.

até que, como um sopro de cura, teus olhos verdes me tomaram a mão

e como multidão de pessoas apaixonada e em luta, nos tornamos um só.

sábado, 21 de novembro de 2020

ode ao banal

estou vivendo pelo banal. nada além do completo despropósito passa pela minha cabeça. dou vazão a todo sentimento inócuo, trivial, passageiro e transeunte. as atitudes estéreis me alimentam. 

me sinto em um longo mergulho, como em profundidade infinita, a densidade age contra o crânio e a superfície se perdeu de vista. 

quem quer que viva sem saber que vive, não estará, de fato, vivendo. mesmo estando presente. e tocando em tudo. e movendo as coisas. 

é como facão sem fio, que não corta como deveria, mas sangra. na paulada. é como fina neblina, que impede a visão mais primária: a de si próprio. como a tempestade de areia, contra a qual não há luta. só se pode aceitar o infortúnio, por as mãos frente o rosto, lançar-se para trás e deixar-se cair.

domingo, 8 de novembro de 2020

diálogo #1

- oi. tudo bem? eu queria falar uma coisa, bem rapidinho, contigo.
- oi. fala.
- você sabe que eu preciso de “encerramentos”, né? não suporto nada “não dito”.
- acho que eu e você estamos bem e gosto disso. não precisa ser como da última vez. será que precisa?
- eu preciso, porque é lógico que tem aquela dor, aquela chateação. inevitável.
- se você acha que sim, sou todo atenção. 
- vou fugir de sentimentalismos, não quero que seja um texto emotivo, pra nos fazer chorar ou algo do tipo. vou tentar não ser metido a poeta!
- você não consegue... eu gosto disso.
- eu lamento que tenhamos chegado ao fim de um ciclo. você foi e vai continuar sendo por um bom tempo o grande amor da minha vida. mas sabe... tem muitas mais coisas que eu NÃO lamento!
- também não lamento.
- calma, eu não terminei. ah...
- eu deveria saber, né? (risos)
- me deixa terminar, não me faz mudar de palavras. (risos)
- o senhor me desculpe, viu?
- enfim... não lamento esses quase dois anos, o tanto de momentos incríveis que vivemos juntos, ter compartilhado uma casa contigo, ter recebido TANTO do teu apoio, TANTO de você! ter te visto nu de corpo e de alma. caralho, foi incrível.
- isso é lindo. 
- eu quero teu sucesso. eu quero teu bem. tua felicidade. quero ver tua arte florecer (não deixa isso morrer. investe!). tu és foda e tenho uma inveja gigante da tua sensibilidade artística.
- eu também te admiro. obrigado por notar. nem todo mundo percebe isso. 
- eu sei. além disso, não lamento ter deixado de ser cabeça dura e ter ido atrás de ti quando meu coração gritou mais alto do que minha “razão”. não lamento mesmo! eu não acho que a gente “não deu certo”. a gente deu foi certo pra um caralho. 
- é uma pena que nós queiramos coisas diferentes. 
- mas eu quero, MUITO - e não vou cometer o erro de ser sufocante, como da última vez -, ser teu amigo, pro resto da vida. apesar de eu ter falhado na promessa e estar chorando agora, é um texto alegre! mesmo. esse final de semana serviu pra eu ver que a gente não precisa se afastar. quem sabe, agora, por ora; não sei. mas não definitivamente.
- eu quero muito poder ver isso tudo. mesmo.
- eu te amo e isso NÃO VAI MUDAR. so vai se transformar em outro amor, talvez. mas eu quero muito teu bem e estar perto de ti, saber de ti e poder viver mais coisas boas - em um outro ciclo -
contigo.
- você vai amar novamente, eu vou amar novamente... e a vida vai seguir. 
- eu sei. mas, por favor, segue comigo. como meu amigo. mesmo. real oficial. fica perto de mim, quando você sentir que da.
- acho que sim. eu também amo você. é uma das poucas certezas que tenho.  
- quando você disse que não queria mais, eu vim pro quarto e escrevi algo na agenda que você me deu. e vou deixar aqui, pra sempre
- o quê?
- "ah, dia escuro... o vento sopra e eu escuto. 'Amanhã é melhor', diz o tolo sobre tudo. Não vai doer, se for pra ser. O amor não acaba, nem se deixa morrer. Vira cinza, se transforma e volta a crescer."
- eu acho que essa é a coisa mais linda que já me escreveram. 
- é o mais sincero que já escrevi.
- fica bem?
- fico. e você?



mais uma tarde comum

já tem dias que o ar do meu peito se tornou rarefeito
a menção da tua ausência é violenta
cinzenta
não sei para onde vamos
não sei onde estou
nem onde quero chegar
não temos hora pra voltar
meu destino importa menos que a companhia nos percalços do caminho

você é tudo que eu não possuo, não posso possuir e não suportaria perder. 

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

nada demais

Tudo que te prometo é isto: NADA. Nem a decepção do que não posso entregar. Nem a alegria da surpresa; mas a mim. Todos os dias. Inteiro. 


Não te prometo uma vida que não posso prever. Não te faço promessas eternas. Não te prometo o eu de amanhã. Te prometo o de hoje. Todo.


Não te prometo a alegria, mas sentir tuas lágrimas. Não poderia te prometer nada incomum; nada além da devoção no banal, no corriqueiro. Os dias mais absurdamente normais.


A paisagem menos inebriante.

A mais cinza.

O céu mais desgraçadamente desinteressante; o mais esquecível.

Este será o nosso cenário.


E não porque eu não te ame.


Esteja certo do oposto.


Te ofereço a constância dos dias medíocres, apenas porque estes são mais numerosos. Não te prometo o que não posso mudar. Apenas a devocional singeleza do cotidiano. Comigo. 


Se algo além do mais universal e público acontecer, algo que desponte, no meio do oceano da trivialidade, será meu prazer vivê-lo e esquecê-lo contigo. Para voltarmos à rotina da existência. Eu não seria tolo a ponto de te dizer que posso tornar o mundo menos mecânico e pontual do que é. Mas podemos enfrentar a tediosa encarnação juntos. 


Por te amar, prometo-me e só.

Menos ainda, prometo nada.

Apenas tudo de mim. 

Cê bem que queria

deitado, de lado

de braço enrolado

por horas e horas a fio


mais forte que um tiro

o teu ar que eu respiro 

um vinho que nunca bebi



só vim te ver

cadê você?


não tem mais segredo

eu morro de medo

de não ter você mais aqui


não sei se acontece

mas faço uma prece

eu juro com tudo de mim 


me sobes no peito 

sempre do teu jeito

é tudo bem simples assim


no segundo dia

cê bem que queria

meu beijo dou todo pra ti 

Agonia

Dá pra mudar? 

Voltar atrás e esquecer.

Quanto tempo leva pra crescer? 

Não sei se... se me entendes, mas que duro golpe pode vir a ser.

No fim das contas, um passo pra trás e um suspiro profundo te fazem notar a dureza do mundo.

A realidade pintada com requintes de ironia, sarcasmo em alto relevo, marteladas de pura agonia.


Poderia esperar mais?

Só o sabor de lágrimas.

Lágrimas que, por amor derramadas, colam as paginas do livro que conta história do destino.


Sem ti. Senti. 

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Ex Nihilo

Me contaram, com a crueldade que carregam todas as conversas casuais, que queres ser escritor! Que bela lástima escolheste para chamar de dor própria. Confesso que não pude aquietar-me antes de escrever-te esta breve carta. Confinei-me em minha própria mente para tentar, em um lapso de lucidez, ajuntar argumentos o bastante fortes para abrir-te os olhos com sensatez, arrancando de tua cabeça tão descabida ideia. Fracassei. O fato é que o homem não pode fugir de seu destino. Mesmo porque não existe destino. 

Tentei, então, pensar em razões para não enviar-te uma carta. Fracassei, mais uma vez (o que me levou a perceber a estranheza do momento e das reações que a notícia causaram em mim, posto que raramente erro; muito menos ainda duas vezes, em tão pouco tempo, no mesmo dia). Iniciei esta carta sem saber porque escrever, mas sem motivos que impedissem de fazê-lo. E, justo por isso, esta carta tem algum valor de conselho. Por não saber o que escrever nem porque não escrever, escrevi. Sem direção. Sem rumo. Escrevi o que me foi jogado à cara. E isto posso dizer-te com leveza de espírito: escreve o que o ócio te jogar à cara. O ofício de escrever se trata de poder escrever como e quando quiser. São teus o papel e a pena, oras bolas. Põe-te a escrever, se é esta a morte que queres para ti. 

Digo morte porque, para o escritor, esta é a direção para qual se corre, desatento e desprecavido, a medida que se escreve. Isto porque, na dialética do escrever e do viver, todo escritor se torna um leitor da inexorável realidade que lhe ronda. Realidade carregada de lírica e uma forma de agir, da eterna profundidade barroca da dualidade, o que faz do escritor um monstro sem tempo e sem território próprio: ele é uma somatória de momentos e lugares que, salvo raríssimas vezes, são só seus. O escritor é, por natureza, um observador. Um ferreiro, que molda situações como se fosse ferro - repetidamente, por força bruta. Porque é necessária a violência para tomar a língua nas próprias mãos nuas, para quebrá-la, sem a fraqueza da piedade, fazendo com que dela, já tão exaurida e insuficiente, surrada e incapaz de agir, dela própria, saia novo elixir, nova língua, novo poder. Se faz, assim, um inventor. Não só de histórias; de mundos. 

E, por falar em tempo, atente-se que nenhuma sorte é imune à intransigência do tempo. Muito menos a do escritor. Muitas temporalidades dentro de poucas linhas. A história que tentara narrar já não era mais a mesma ao final do enredo, posto que nem consigo mesmo pudera ser constante, pois sucumbiu, graças a Deus, aos devires impostos pelo tempo. A traição da letra, que deveria ser a prova da veracidade do testemunho, mas que trabalha justamente como carrasco - da tinta e do autor. Esta mesma carta: a história que deveria ser do hoje - mas já não pode ser, a medida que se tornou do ontem, até que chegue às tuas mãos, meu jovem rapaz. De fato, escrever é uma atividade anacrônica. Como disse o velho Borges, as palavras são símbolos que postulam a uma memória compartilhada. Assim, a língua é um sistema de citações. Portanto, de lembranças.

Assim, se é a prisão que realmente almejas, a liberdade encontrarás. “Velho louco”, hás de pensar. Erras. Não sou velho. Para que diante dos olhos se desenlacem os grilhões da escrita e se vislumbre a liberdade, de uma coisa não se pode prescindir: contemplar a emergência do tempo. Emergência, não como se fora urgência, mas como aquilo que, sem aviso prévio, emerge; o mistério do que não conhecemos e para o qual não estamos prontos, mas absolutamente desprevenidos. O tempo. Não sabemos como reagir, menos ainda o que propor, diante do abismo de aparências indecifráveis. Contemplar, questionar, aceitar a ignorância e esperar que contingências e acasos nos ofereçam a mão que abrirá as portas para soluções - ou novas questões. Ou a mão que arrancará o véu e mostrará a verdadeira face do assombroso desconhecido.

Como se não bastasse tamanha desgraça, escritor não tem terra. Não tem chão onde possa desmaiar, nem palmeira sob a qual recobrar o fôlego. Não tem pátria para chamar de lar. O território do escritor são as planícies das folhas. Telas multidimensionais, onde se desdobram o drama, a comédia, o real, o abstrato, a catarse.

Tamanha é a responsabilidade da pena e do papel que, para todos os que sofrem os desmandos do tempo e que não encontram para si lugares que não entrelugares, e que, ainda mais desgraçados, não contam com a escrita, assume o escritor o papel de Deus: o detentor do poder e, portanto, sobre quem pesa a obrigação de, ex nihilo, criar. Torna-se não só artesão de seu próprio mundo, mas o soberano que concede a asilo ao despatriado.

Não falo de coisas as quais farei, mas de coisas que gostaria de ter feito ou sabido antes, e que, ainda hoje, de verdade, me empenho em querer. Estou certo de que me perdoarás, ao menos por não conhecer-me, pela incoerência do meu querer: quero muito, mas nem sempre o faço, de modo que minha vontade mais patética é, na verdade, meu logos, minha linguagem, minha palavra, não meu ato.        Meu último conselho, não sei bem se posso classificar este amontoado de palavras assim, é este: Neruda, Borges, Cortázar, Fuentes, García López, Amado, Machado, Guimarães Rosa, Drummond de Andrade… a todos estes, a quem conheces, cuidas e, de fato, amas; quero que os tomes, que comas, que engulas, no ritual mais antropofágico que puderes. Devore as suas palavras como nutrientes. Só encontra a liberdade da perpétua pena de escrever aquele que, em alguma outra página, roubou a chave do cárcere. 




                                                Luiz Miranda, 2020, ano do isolamento.

soneto do homem comum


já andei por alguns jardins no mundo
senti em meu rosto a mansa brisa
o toque da flor que suaviza
como o dos teus dedos nos meus eu confundo.

seja deitado, nu, em minha cama
ou pilotando os ventos, em mim abraçado
cada gesto do teu corpo proclama
tua liberdade, de perfume imaculado

dos amores, só me lembro do teu
das cantigas, só me importa a tua
cantada por ciganos, sob a lua

dos perigos, não me lembro - nenhum
és a rima do poema meu
tornas poeta este homem comum

p/ o homem-inspiração, todos os dias,
d. luiz miranda

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

medo

eu tenho medo.

me perguntas o porquê
que outra razão seria, senão a impotência?
não mandar dos desmandos do amor. 

arbitrária que é, a escrita cria suas próprias leis. E é no pequeno acento que se assenta a gigante semelhança entre o doido e o doído.

detalhes.

por vezes, quero de ti o carinho. 
a captura da nossa felicidade, em retratos instantâneos e sem critério. 

montanhas no Peru
ruas cheias da Bolívia
jardins na Argentina 
toda a América Latina.

palco dos nossos atos. 

escrever contigo um épico
nossas próprias linhas
ora trágicas... ora cômicas 
sempre dramáticas.

os lençóis são as cortinas que dividem esse teatro. 

outras vezes, quero de ti nada além de sangue. 
quero sangue
raiva
que reajas!
que cometas uma infâmia, um delito... de sentimentos.

tão perfeito, sem mácula...
quero que me provoques a ira!
que me dês um motivo para não te amar
pra que me seja mais simples te deixar
já que não sou metade do que desejas
nem um quinto do que mercedes.

me provocas convulsão de sentimentos contraditórios.

eu tenho medo.

sábado, 8 de agosto de 2020

amor em tempos de peste

enquanto me encontro confinado
muito mais dentro de mim do que de um quarto
lanço mistérios para ser, agora ou sempre, por ti, notado
se há quem ache que não sei o significado do gesto
se há quem especule sobre a minha ignorância
não há quem tateie minha pele
como quem responde às perguntas
como quem persegue respostas, mais do que reciprocidade
como tu o fazes.

a rosa, que antes exalava perfumes roubados
o povo, que outrora ansiava por canção nossa
o doente, o encarcerado
o fazendeiro, o mal amado
todos calados. silenciados. distanciados.

a captura do indizível, pelos braços de uma mente louca
se dá na linha tênue entre a memória e a lágrima
bem quando a esperança cai ao chão, surrada
e pudera ser diferente?
estaria morta?
poderia não haver morrido, sumariamente?
justo em terras de ignorância e paliativos
cumpriu seu destino, sem a chance de desviá-lo.

de fato, assisto à minha própria plateia, aos prantos
grato por não ter de chafurdar em migalhas
ouvindo o terno sibilar, não tão distante
do vento em teu rosto
do sol em teu rosto
de meu rosto em teu rosto
eu mesmo, ciente de nós
e feliz por esperar.

quarta-feira, 29 de julho de 2020

travessia

onde onde estão vocês?
onde foi parar?
a face amiga do lado...
já não mais está.

onde está o amor?
o acorde ao acordar?
a amiga tão querida,
a nota já perdida,
a risada estridente,
onde está a gente,
sofrida, mas contente?
que canta pelos cantos,
de todos os encantos
o mais belo colorir.

onde os vagões do trem da vida
vão nos levar?
à travessia mais bonita!
põe a vida no lugar.

com Luiz Pi Freitas

estrada

ei, você ai! que anda tão triste
cabisbaixo, pelos cantos
anda logo aqui
me conte a razão desse teu pranto

ei, você aí! que anda tão triste
cabisbaixo, pelos cantos
senta logo aqui
me conta teu caminho nessa estrada

eu quero que você me mostre toda dor
eu quero que você se livre deste peso que te marca

te veste de alegria, toma a vida pelas mãos
eu quero que você deixe os seus medos na calçada
quase nada...

ei, você ai! me deixe te dizer o que me trouxe até aqui
corre logo aqui que eu conto a razão do meu sorriso

tenho muito mais cicatrizes do que alegrias
mas não importa... ainda canto
canto a minha história
e carrego minha paz nessa jornada

quase nada você leva daqui.

com Luiz Pi Freitas


flor de lis

traz a chuva, traz o vento
que eu quero me molhar

traz o riso pra aqui dentro
eu quero gargalhar

vem aqui, flor de lis
não demora pra se achegar
vem de novo, sempre quis te encontrar

traz teu sonho, traz teu beijo
que eu quero me banhar

não demora, vem de novo
perco os pés ao caminhar

você corre e eu te chamo
no teu peito eu me arramo
tua carne à flor da pele
tua saliva me derrete

vem aqui, flor de lis
não demora pra se achegar
vem de novo, me bate, até me remoldar

com Júlia Freitas

Gabi

vi um belo livro na estante
me interessei por ele num instante
quando li suas páginas, logo, percebi
a razão de todo aquele interesse
quem me dera todo o mundo lesse
a poesia escrita ali

não sei se eu posso falar 
com precisão, te contar
mas eu sei! eu sei o que eu li
eram apenas quatro letras
a beleza de quantos mil cometas
era só um nome...
era Gabi.

quando eu falo, não há quem me ouça
como a beleza daquela moça
a do livro
mexe comigo
a guitarra que o Gilmour usa
as mil rosas roubadas do Cazuza
qualquer coisa pra te ver sorrir!

não sei se vou voltar a encontrar
outro livro que me faça suspirar
depois que eu li Gabi

para Gabi Faleiro, com todo amor e saudade.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

nada além de desejo

pele suada e molhada
boca sedenta e safada
olho fixado, mirada
violas e letras surradas

meu caderno rasurado e de linhas entrelaçadas se pergunta quando escreverei nele, outra vez, cada detalhe da tua respiração.

o autor está morto. o que resta sobrevive na tua interpretação.

mas que morte?

a morte do desejo, por exemplo.
que, de um jeito meio transcendente, ao se realizar, morre em um plano, pra renascer em outro.

e onde fica o poema?
na pequena semente
em cada lamento, um pedaço de gozo na terra
o que treme já foi um segredo

outra pequena semente
nos gritos mudos, o inteiro da revelação dos mares das tuas pernas
a força da maré nunca foi segredo

duas ondas entrelaçadas nos meus quadris.

nada é tão eterno quanto o efêmero vivido até a ultima gota.

põe a língua!

a língua é arma
é corrente
nunca indiferente
é campo de batalha

é dever do poeta quebrar o língua
violentar o sintaxe
criar, dela, ume outre
libertar as entrelugares aprisionados

a disputa do mundo simbólico é vigente
sempre o será
guerra constante pelo domínio da criação dos mundos
e é pela língua!

a multiplicidade de contingências e casualidades
o convivência das temporalidades
os portas para a novo
cada sílaba e letra que movo
as chaves dos grilhões
a matéria prima dos artesões
é pela língua!

na rizomática história das construções terrenas
contra os hierarquias violentas
contra o verticalidade des mecenas
contra a maniqueísmo sanguinolenta

é pela língua!

domingo, 12 de julho de 2020

Ciranda

ando tão distante de ti
nas voltas que o  teu corpo me dá
escrevo cartas com tudo de mim
que se extraviam
nos becos escuros e estreitos do teu olhar

busco teu rosto no asfalto molhado
na lama pesada
na rosa mais simples
não aguento essa ciranda
de todo o velho e todo o novo
minha pele se inflama
e grito! na cama
pelos beijos teus
entre os dedos meus

ando tão distante de nós
nos tempos que minha mente criou
deixei poemas em tudo de mim
que se desbotam
nas esquinas paradas e cheias do teu olhar

busco teu gosto no beijo molhado
no riso pesado
no espinho mais simples
não aguento essa ciranda
de todo o velho e todo novo
minha pele se acalma
qual grito calado
pelos sonhos meus
entre os dedos teus

e a pele fronteira
que guarda a alma
separa a máscara
rompe o tecido
não aguento essa ciranda
de todo o novo e todo o velho
sopra o vento da realidade
pelos beijos teus
por entre os dedos meus
pelos carinhos que foram nossos... um dia.

com Luiz Pi Freitas

quinta-feira, 9 de julho de 2020

o poeta

poeta é dos loucos, poeta é da barbárie poeta é do caos e da ojeriza humana poeta é da madrugada barulhenta e das manhãs felizes poeta é do grotesco e do sublime poeta é da dor e do amor poeta é eterno

entrelugares

se nas trevas de tua indiferença me movo nas brasas vivas do teu toque me prendo quando esfolo minh’alma na tua no amargor calado da saliva crua colho todo o mal que não compreendo na espera de senti-lo de novo Luiz Miranda

sábado, 4 de julho de 2020

ela, o amor!

multiforme
inquieta e acalentadora
arrebatadora
masculina, feminina e muito mais que apenas isso
nas sístoles e diástoles do seu pujante pulsar
banhada em gotas de suor e encharcada por sorrisos e suspiros.

colorida pela miríade de desenhos corporais satisfeitos
invulnerável, como desejos palpáveis - também frágil
carente de cuidados eternos uma odisseia inebriante, letárgica.

incapturável, indefinível... move-se lenta e fatalmente, quando e onde quer
porque ela é livre!
ainda que sejam muitos os que tentem
jamais se dobra aos mandos e desmandos arbitrários e autoritários.

quem seria ela, senão o amor?

ela, vestida das chamas rebeldes da resistência
quebranta as rédeas ditatoriais da imposição
cria caminhos por entre os escombros e brilha!
brilha até cegar os prepotentes, que caem - impotentes!

 ela, ela! a quem conhecemos por amor!

domingo, 28 de junho de 2020

Primeiro Ato - o Éden

Deus e o Diabo, sentados em poltronas, a luz de um abajur

Deus: e o que a gente faz com isso?
Diabo: ora, você fez tudo sozinho e agora quer me incluir no problema?
Deus: você se incluiu sem ser chamado, serpentino.
Diabo: foi uma participação especial, uma cena curta; não diria que foi uma intromissão.
Deus: pois foi uma intromissão, sim. E, agora, eles não entendem mais nada do que eu disse.
A culpa é sua.
Diabo: “Culpa, culpa, culpa…”. Você fica com essa conversa e eles acreditam!
Nunca são responsáveis por nada. Sempre a culpa é minha. Você e a sua mania de perfeição.
Tá mimando eles, sabe disso, né? Tá estragando. Olha ali… tão perdidinhos.
Deixa eles se virarem! Você subestima a sua própria criação, Altíssimo.
Eternidade, infalibilidade… isso tudo é tão chato, tão retrô.
Deus: VOCÊ ESTRAGOU O AMOR!
Diabo: Eu aperfeiçoei! Deixei interessante. Você queria que estes seres dotados
de tanta volúpia se embrenhassem em uma eternidade de aprisionamento, oh, Soberano.
Eles agora são livres para a descoberta! Livres!
Deus: E a gente deixa assim? Sem propósito? Sem um “felizes para sempre”?
Não sei se gosto dessa ideia. Acho confuso. Eles vão se magoar o tempo todo.
Lágrimas, sofrimento...
Diabo: Pois muito que bem! Assim eles sentem! Não é sentindo na pele que se assegura
de se estar vivendo? Deixa que chorem. Você os subestima. Parece até que eu os conheço melhor…
Deus: Não ouse! Eu os criei e sei para o que os criei.
Diabos: E eu apenas ensinei outro caminho. Eles são os mesmos.
Só vão pulsar mais. Você os transbordou de amor. Eu os ensinei a derramar em vasilhas diferentes.
Fazemos uma boa dupla!

quinta-feira, 18 de junho de 2020

tempos idos

Sentado ao lado da porta
Me voltam à mente as lembranças
Dos tempos de mesa repleta e cheia de gente

Correndo em volta da casa
Crianças fazendo algazarra
Ouvindo as vozes adultas sem se importar
O tempo parava e corria
Sem pressa e quando bem queria
Mamãe servia a comida, já era o jantar

Vovó saia à rua, sorridente
Abraçava seus filhos e netos com tudo de si
A felicidade pulsava em cada risada
Ah, que saudade da vida que um dia vivi!

terça-feira, 16 de junho de 2020

medievalismo moderno

a felicidade correu pelas ruas e foi atropelada!
uma risada horrorosa do cosmos
as luzes se acendem e apagam
como em indecente dança
os ritos mais sombrios, em praça pública
o pudor se desacorrentou. fugiu!

nefastos tempos de impureza de corações
gritos calados 
mitos alçados
fogueiras, para alquimistas e seus feitiços
os rancores recônditos 
o desespero mais íntimo

no âmago da cena está o funesto rei
os súditos, parte assombrada, parte eufórica
observam atentos a leitura das partes
“ah! malditos”
ecoa o grito - vem do calabouço
o tilintar das armas e armaduras
nada escapa ao reino sombrio da ignorância 

os que se pensam inatingíveis
os que sempre impassíveis
os que apenas olhavam
os que, incansáveis, trabalhavam

todos!

todos experimentaram o mesmo fim

nada escapa ao reino sombrio da ignorância

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Com Você

com você
nasço, me desfaço,
morro e renasço;
quiseram meus olhos, toda vez
abrirem-se para encontrar os teus!
que tal fazermos dos teus dias,
pra sempre, os mesmos que os meus?

feliz segundo (e contando) dia dos namorados juntos!
te amo, neni

sábado, 6 de junho de 2020

Tríade

Me enlaço no traço do teu abraço
Caminho, sozinho, no teu carinho
Me excito neste rito e não hesito
Me ergo sobre o fogo do perigo

Conduzo, confuso e profuso
o saudoso gozo pomposo
Nas veias, às areias das aldeias
Como verme, no aterme de tua derme

Indecente, o presente incandescente
Ecoa, à toa, na proa
Da barca que remarca, mui fraca

Os suspiros e respiros brejeiros
Não selados, arrolados e velados
Do passado, vivido e amado.

Até quando?

A cidade se move
Se dissolve 
Impassível
não se comove

Os sonhos são números
O trabalho, a arte, os amores...
...números 
Coisas, apropriadas
Cercadas por muros
Impuros

Joelhos e pescoços se tocam
Forca 

Até quando?

Repressão
Ódio
Ambição 

...Números 

A frieza impera
Pra quem?
O choro ressoa
Eram filho de quem?

Até quando?

Foguetes e balas perdidas 
Guardas-chuvas e fuzis
Oitenta tiros por engano

Até quando?

Empregadas e elevadores

Até quando?

Por que sempre com que carrega
na pele a cor?
Que dor!
Por que tamanho rancor?
Não somos todos filhos do mesmo senhor?

Até quando?

quarta-feira, 3 de junho de 2020

antítese de mim

alegria, alegria!
olhei a tristeza nos olhos e ela quase sorria!
quem falou que não escreve o poeta em plena luz do dia?
basta que lhe toque na alma o amor - Belchior já dizia!
toque, este mesmo, que é muito mais do que mera alegoria!

a vila toda se sentiu, e cada flor que se abriu, exalava euforia!
a banda passou pela janela, em tremenda folia,
exibindo o som mais colorido, como Caetano faria.

era o despertar de uma nova e nobre sabedoria

de que o amor é a carta de alforria!

sorte

ah, diabos! eu não quero te dividir com ninguém!
volte agora mesmo pra mim
como ousas ter vida própria?
como ousas seguir adiante?

que disparate a tua intrepidez!
então quer dizer que eu não sou a tua vida?
de onde tiras tamanha altivez?
que presença desinibida!
não gosto nada dessa ideia!
não encontro panacéia
para o despudor de, além de mim, seres feliz.

mas, também, pudera!
que desatino meu!
não percebi que em ti se fizera
a morada dos encantos, luz que dissipa todo breu!

de verdade, só podia estar louco!
como não haveria de ser assim?
tens consciência do que dizes, poeta insano?
me fazes rir, e não pouco!
perdão, meu amor. és muito mais sem mim!
vives um milênio em um ano.

teria mesmo sorte se voltasses para meu velho abrigo
abandonando ao desalento teus outros caminhos
cultivando minha flor, mesmo com seus espinhos
com os quais, por vezes, eu mesmo brigo.

mais alto

"o teu amor pe uma mentira que a minha vaidade quer"               e teu corpo em minha boca               é a verdade que meu des...