domingo, 28 de junho de 2020

Primeiro Ato - o Éden

Deus e o Diabo, sentados em poltronas, a luz de um abajur

Deus: e o que a gente faz com isso?
Diabo: ora, você fez tudo sozinho e agora quer me incluir no problema?
Deus: você se incluiu sem ser chamado, serpentino.
Diabo: foi uma participação especial, uma cena curta; não diria que foi uma intromissão.
Deus: pois foi uma intromissão, sim. E, agora, eles não entendem mais nada do que eu disse.
A culpa é sua.
Diabo: “Culpa, culpa, culpa…”. Você fica com essa conversa e eles acreditam!
Nunca são responsáveis por nada. Sempre a culpa é minha. Você e a sua mania de perfeição.
Tá mimando eles, sabe disso, né? Tá estragando. Olha ali… tão perdidinhos.
Deixa eles se virarem! Você subestima a sua própria criação, Altíssimo.
Eternidade, infalibilidade… isso tudo é tão chato, tão retrô.
Deus: VOCÊ ESTRAGOU O AMOR!
Diabo: Eu aperfeiçoei! Deixei interessante. Você queria que estes seres dotados
de tanta volúpia se embrenhassem em uma eternidade de aprisionamento, oh, Soberano.
Eles agora são livres para a descoberta! Livres!
Deus: E a gente deixa assim? Sem propósito? Sem um “felizes para sempre”?
Não sei se gosto dessa ideia. Acho confuso. Eles vão se magoar o tempo todo.
Lágrimas, sofrimento...
Diabo: Pois muito que bem! Assim eles sentem! Não é sentindo na pele que se assegura
de se estar vivendo? Deixa que chorem. Você os subestima. Parece até que eu os conheço melhor…
Deus: Não ouse! Eu os criei e sei para o que os criei.
Diabos: E eu apenas ensinei outro caminho. Eles são os mesmos.
Só vão pulsar mais. Você os transbordou de amor. Eu os ensinei a derramar em vasilhas diferentes.
Fazemos uma boa dupla!

quinta-feira, 18 de junho de 2020

tempos idos

Sentado ao lado da porta
Me voltam à mente as lembranças
Dos tempos de mesa repleta e cheia de gente

Correndo em volta da casa
Crianças fazendo algazarra
Ouvindo as vozes adultas sem se importar
O tempo parava e corria
Sem pressa e quando bem queria
Mamãe servia a comida, já era o jantar

Vovó saia à rua, sorridente
Abraçava seus filhos e netos com tudo de si
A felicidade pulsava em cada risada
Ah, que saudade da vida que um dia vivi!

terça-feira, 16 de junho de 2020

medievalismo moderno

a felicidade correu pelas ruas e foi atropelada!
uma risada horrorosa do cosmos
as luzes se acendem e apagam
como em indecente dança
os ritos mais sombrios, em praça pública
o pudor se desacorrentou. fugiu!

nefastos tempos de impureza de corações
gritos calados 
mitos alçados
fogueiras, para alquimistas e seus feitiços
os rancores recônditos 
o desespero mais íntimo

no âmago da cena está o funesto rei
os súditos, parte assombrada, parte eufórica
observam atentos a leitura das partes
“ah! malditos”
ecoa o grito - vem do calabouço
o tilintar das armas e armaduras
nada escapa ao reino sombrio da ignorância 

os que se pensam inatingíveis
os que sempre impassíveis
os que apenas olhavam
os que, incansáveis, trabalhavam

todos!

todos experimentaram o mesmo fim

nada escapa ao reino sombrio da ignorância

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Com Você

com você
nasço, me desfaço,
morro e renasço;
quiseram meus olhos, toda vez
abrirem-se para encontrar os teus!
que tal fazermos dos teus dias,
pra sempre, os mesmos que os meus?

feliz segundo (e contando) dia dos namorados juntos!
te amo, neni

sábado, 6 de junho de 2020

Tríade

Me enlaço no traço do teu abraço
Caminho, sozinho, no teu carinho
Me excito neste rito e não hesito
Me ergo sobre o fogo do perigo

Conduzo, confuso e profuso
o saudoso gozo pomposo
Nas veias, às areias das aldeias
Como verme, no aterme de tua derme

Indecente, o presente incandescente
Ecoa, à toa, na proa
Da barca que remarca, mui fraca

Os suspiros e respiros brejeiros
Não selados, arrolados e velados
Do passado, vivido e amado.

Até quando?

A cidade se move
Se dissolve 
Impassível
não se comove

Os sonhos são números
O trabalho, a arte, os amores...
...números 
Coisas, apropriadas
Cercadas por muros
Impuros

Joelhos e pescoços se tocam
Forca 

Até quando?

Repressão
Ódio
Ambição 

...Números 

A frieza impera
Pra quem?
O choro ressoa
Eram filho de quem?

Até quando?

Foguetes e balas perdidas 
Guardas-chuvas e fuzis
Oitenta tiros por engano

Até quando?

Empregadas e elevadores

Até quando?

Por que sempre com que carrega
na pele a cor?
Que dor!
Por que tamanho rancor?
Não somos todos filhos do mesmo senhor?

Até quando?

quarta-feira, 3 de junho de 2020

antítese de mim

alegria, alegria!
olhei a tristeza nos olhos e ela quase sorria!
quem falou que não escreve o poeta em plena luz do dia?
basta que lhe toque na alma o amor - Belchior já dizia!
toque, este mesmo, que é muito mais do que mera alegoria!

a vila toda se sentiu, e cada flor que se abriu, exalava euforia!
a banda passou pela janela, em tremenda folia,
exibindo o som mais colorido, como Caetano faria.

era o despertar de uma nova e nobre sabedoria

de que o amor é a carta de alforria!

sorte

ah, diabos! eu não quero te dividir com ninguém!
volte agora mesmo pra mim
como ousas ter vida própria?
como ousas seguir adiante?

que disparate a tua intrepidez!
então quer dizer que eu não sou a tua vida?
de onde tiras tamanha altivez?
que presença desinibida!
não gosto nada dessa ideia!
não encontro panacéia
para o despudor de, além de mim, seres feliz.

mas, também, pudera!
que desatino meu!
não percebi que em ti se fizera
a morada dos encantos, luz que dissipa todo breu!

de verdade, só podia estar louco!
como não haveria de ser assim?
tens consciência do que dizes, poeta insano?
me fazes rir, e não pouco!
perdão, meu amor. és muito mais sem mim!
vives um milênio em um ano.

teria mesmo sorte se voltasses para meu velho abrigo
abandonando ao desalento teus outros caminhos
cultivando minha flor, mesmo com seus espinhos
com os quais, por vezes, eu mesmo brigo.

LUNECO (2)

eu quis escrever sobre você
à pena livre, à duras penas
sabendo das chances pequenas
sorrindo, em frente a TV

tendo o luar como jogo de luz
invadindo a janela por própria força
me despi do orgulho que reduz
sussurrando em gritos pra que você me ouça

não sei viver se não te amando
não sei amar se não te tendo
não sei te ter se não à espera

de que sintas o que outrora sentiste
de notares o pulso, sem ti, tão triste
do coração que por ti reverbera

mais alto

"o teu amor pe uma mentira que a minha vaidade quer"               e teu corpo em minha boca               é a verdade que meu des...